No dia em que meu primeiro filho se foi

Meu primeiro filho, de 21 anos, partiu de casa, hoje. De cabeça erguida, com grande bagagem intelectual, moral, social e espiritual. Foi em busca do seu sonho de vencer na vida, de efetivamente fazer parte do Planeta. Eu saí na mesma idade da casa dos meus pais, e nunca mais voltei. Penso que o mesmo se sucederá a ele. É o ciclo da vida, a evolução, a continuidade. Filhos sempre serão imigrantes na casa dos pais.

O avião o levará para bem longe de nós, mas ele estará sempre perto, nas infinitas lembranças, já que brincamos, cantamos, brigamos, jogamos bola, andamos de bicicleta, enfim, construímos uma relação inquebrável. Todos esses momentos marcaram nosso tempo e sempre estarão vívidos na memória, nas conversas e nas fotos.

O avião começa a manobrar na pista e já esqueci das nossas brigas, dos desrespeitos, das ordens não cumpridas, das roupas espalhadas pela casa, das travessuras, dos deslizes, das malcriações... O avião nem subiu e já perdoei tudo. É o milagre da paternidade. O amor, realmente, cobre multidão de erros. Acabamos entendendo que erros também fazem parte da formação de um homem.

Hoje ele está formado, diplomado para a vida, e começando sua jornada. As matérias, agora, serão outras, os professores da sua pós-graduação em vida, só Deus sabe quem serão. Oramos para que sejam os melhores. Escolhê-los também foi matéria bem dada na nossa casa. Suas notas foram boas em muitas provas. O rapaz é bom e promete.

Hoje me lembrei do meu pai que, há exatos 23 anos, me viu partir para não mais voltar. Só agora posso entender e imaginar o seu choro contido, seu orgulho, sua tristeza misturada com alegria, seu vazio, solidão gostosa e triste. Se ele pudesse ficar mais um pouquinho ia ser tão bom, mas não pode perder tempo. O mundo o aguarda ansiosamente, e meu egoísmo não poderá retê-lo. O plano é de Deus e não meu.

Não quero pensar que deixei de fazer isso ou aquilo por ele. Infelizmente, não recebemos uma cartilha de como ser pai. Vamos vivendo a vida e fazendo o melhor que podemos pelos filhos. Algumas vezes exageramos um pouco na mão, eu sei; às vezes, sal demais, às vezes, açúcar de menos. Mas sempre quisemos fazer o melhor. O melhor do melhor. Erramos, várias vezes, sou consciente, mas não me arrependo de nada. Pelo fruto que vejo hoje, acho que acertamos bem mais que erramos, então valeu.

Sou músico e, mesmo antes de casar, sonhei ter um filho músico. Desde pequeno, Atilano Júnior demonstrava interesse pela bateria, instrumento que o colocamos para estudar na pré-adolescência. Um verdadeiro talento. Mas eu queria que ele também tocasse violão, afinal, sou violonista. Depois de algumas tentativas sem sucesso, radicalizei. Coloquei violões espalhados pela casa, como iscas... e ele foi “fisgado pelo pinho”, como dizia meu pai, também violonista. Ufa! Ele se tornou violonista, depois compositor, e a voz firmou-se de uma maneira surpreendente. Não disse que ele era um talento e tanto? Hoje foi em busca do seu sonho musical!

Ainda no aeroporto, nos momentos finais antes de embarcar, dei-lhe um cartão onde escrevi meus últimos quatro pedidos/conselhos. “Se os seguir, sua vida será mais bem-sucedida que a minha”. Sei que meu pai me disse essas coisas quando ainda morava com ele, mas, esqueci algumas pelo caminho e só vim a entendê-las muitos anos depois. Mas o essencial de seus ensinamentos, no entanto, permaneceu em mim, e passei a meu filho.

É, pai, você estava certo quando disse que muitas coisas eu só entenderia no futuro. Como bem me disse um amigo: “A voz do pai demora 40 anos para chegar ao ouvido do filho”. Uma delas estou aprendendo hoje: como seu coração estava apertado naquele longínquo 1984, quando o ônibus que me levava virou a esquina e nunca mais voltou.

Deus lhe abençoe, garotão. Você nunca foi nosso. Sempre foi de Deus. Ele trouxe, ele leva. Papai e mamãe sempre estarão orando por você. O mundo, agora, é seu. Bola pra frente! Agora é valendo, filhão!