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A CULTURA DO MACARRÃO INSTANTÂNEO

Duas questões, dentre muitas outras, podem dificultar a compreensão dos planos de Deus quando se lê a Bíblia, e a consequente aproximação com o contexto do nosso tempo. A primeira diz respeito à longa história de guerras do povo de Israel, que ocupa considerável parte da narrativa do Antigo Testamento, e abrange situações complexas que fogem ao objetivo desta breve meditação. A segunda está relacionada às perspetivas de sucesso e felicidade nos escritos bíblicos de sabedoria.

Por causa desses dois pontos há sempre o risco de entender mal trechos como o salmo 108, que termina com uma afirmação vitoriosa cheia de entusiasmo – “Com o auxílio de Deus, realizaremos grandes feitos, pois ele pisará os nossos inimigos.” Há quem veja em palavras assim um argumento para fazer do Todo Poderoso uma espécie de fiador de grandes projetos. E quem assim faz geralmente age como se a grande missão de vida fosse enfrentar todas as situações pessoais como guerras, contra inimigo, eleitos por critérios de uma justiça pessoal subjetiva e conveniente. Na mesma linha de raciocínio, o sucesso é toda conquista que promova o bem-estar pessoal, de preferência após batalhas vencidas por palavras de ordem extraídas da Bíblia.

Davi começou a poesia do salmo 108 declarando que o seu coração estava firme em Deus. Essa não foi a expressão de alguém que só colecionou vitórias, mas sim de alguém que entre vitórias e derrotas, acertos e erros, alcançou um nível de confiança que lhe permitia entender o seu contexto pessoal acima dos problemas circunstanciais. A literatura dos salmos não constitui um repertório triunfalista, mas uma coletânea de depoimentos de fé, escrita por gente que aprendeu a confiar em Deus apesar dos frios na barriga, das noites insones, dos problemas insolúveis, do medo da morte, dos fracassos e tantas outras crises comuns a qualquer ser humano. Um rabino resumiu esse dilema de quem teme a Deus numa frase de rara felicidade, referindo-se a Jó - "Fé como a de Jó não pode ser abalada porque é resultado de ter sido abalada."

Com essa disposição, Davi estava decidido a responder a Deus com o melhor da sua vida, em expressões de louvor, dentre outras. Eu gosto de lembrar do entusiasmo alegre e barulhento que as claques desportivas, devotam aos seus ídolos como maior exemplo do que pode ser uma resposta de adoração. Assim como o salmista diz no salmo 108, a sua intenção de louvar a Deus publicamente é muito próxima do que se faz nos estádios de futebol, por exemplo, com motivações bem diversas, claro.

Numa época em que os lugares de cultos às divindades estavam em lugares altos, como montes, é natural que os gritos de exaltação dados em honra a Deus mencionassem a superioridade dele em termos de como o Deus altíssimo, mais elevado do que todos, por ser único em poder e autoridade.

No entanto, apesar de tantos elogios a Deus, Davi não esconde o que estava em apuros. Uma das expressões da oração é na verdade um clamor por liberdade. O versículo 5 diz " ‘Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a sua glória' ” Em tempos de tanta pressa e rapidez (de uma ‘cultura do macarrão instantâneo’), falar na glória de Deus, em elevação espiritual, em eternidade, parece falta de noção. Mas não é!

“No pensamento bíblico, a eternidade significa o tempo sem fim. No helenismo, os homens ansiavam pela libertação do ciclo do tempo num mundo além, onde não houvesse tempo, mas no pensamento bíblico o vocábulo tempo descreve a esfera da existência humana tanto agora como no futuro.” Através de muitas parábolas Jesus alertou sobre a necessidade de pensar no futuro de forma bastante prática – construindo-o com atitudes responsáveis no presente. A ação de Deus ‘entrando no tempo e na história para oferecer uma existência restaurada, de plena comunhão com Ele’ é a maior demonstração do seu interesse numa vida completa de significado (cf. João 20:31; João 3:16; João 10:10).

A cultura do macarrão instantâneo é uma mentalidade que domina o nosso tempo, na qual sensações cada vez maiores, no menor tempo, são procuradas a qualquer preço, sem preocupações com significados ou consequências de qualquer ordem. Embora a paráfrase de Marcos 8:36 possa ser questionada, arrisco-me a fazê-la:

“O que aproveita ao homem cozinhar a melhor das refeições em alguns segundos, usufruir da maior velocidade já alcançada de processamento de um computador, usar a tecnologia de comunicação mais avançada do planeta, dirigir o carro mais veloz de todos os tempos, dentre outras coisas estupendas, e perder a sua alma [...] e as oportunidades para reconhecer a grandeza de Deus acima de todas as coisas?”

Dias melhores virão, sem pressa!

Wilson Avilla