Advento: de Onde Brota a EsperançaSample

Dor e Delícia

Mais de dois mil anos atrás, uma jovem mãe tomou seu bebê que acabara de nascer, “envolveu-o em panos e o colocou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.7). Por conta de um recenseamento, Maria e José tinham voltado à cidade natal dele, mas tiveram de se instalar em um local improvisado. Mais tarde, o recém-nascido foi posto em um objeto inusual, que normalmente recebia o alimento dos animais.

Perceber a precariedade que permeia o episódio do nascimento de Jesus acentua ainda mais a radicalidade da narrativa da Encarnação. Não só a situação era precária, mas sua nova condição também: um bebê “cujo pequeno crânio poderia ser esmagado por uma mão”, como lembra o escritor Frederick Buechner. Esse pequeno ser era Deus se vestindo da nossa vulnerabilidade, fazendo-se carne, humano, Emanuel, o Deus-conosco, o “Filho do Homem”, como depois se autointitulou diversas vezes durante seu ministério — expressão que talvez hoje fosse melhor traduzida por “Filho do Humano” ou “Filho da Humanidade”.

Sabemos bem o que é ser humano; sabemos “a dor e a delícia” de ser o que somos, como cantou Caetano Veloso. Mas será que Deus sabe? Descobrimos que sim: “este é um Deus que calça nossos sapatos, que usa nossa jaqueta”, como diz a letra da música de outro artista, Sufjan Stevens. Um Deus que se envolve plenamente na sua criação, abraça nossa fragilidade, redime nossos corpos e, assim, refaz a beleza de ser humano: sua imagem em nós. A glória compartilhada conosco desde a fundação do mundo agora refeita, restaurada.

O nascimento de Jesus surge então como um novo ato de criação, desta vez em meio a um mundo quebrado, no qual a novidade de sua presença ressignifica para sempre a experiência humana.

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Texto: Miguel Del Castillo

Arte: Pedro dos Anjos

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